Saudades... Daquela miúda que me acordava de manhã cedo naqueles cortantes dias de inverno e dizia já as torradas estão a fazer e eu já estou vestida, podes levantar-te mama.
Saudades de lhe dar os anjinhos pela noite antes de dormir.
Saudade daquela criatura inocente que acreditava no pai natal com 12 anos e fazia as suas cartas com tanto amor, cores e corações. Que pediam casas, carros, amor, trabalho todos para mim e por último qualquer coisa para ela.
Saudade da bebé de 4 anos que se perdia no supermercado e ia a recepção pedir que chamassem a Paula Cristina de Sousa Afonso. Bem treinada né?
Saudades de chegar a casa muito tarde depois de um dia de trabalho e vê-la de banho tomado e dizer já fiz os trabalhos de casa só falta levar o pipo a rua depois do jantar.
Saudades de chegar ao pé dela e sentir que tinha o cheiro a criança misturado com o do Chico do poço que fartava-se de lhe dar beijinhos quando eu não estava a olhar.
Ohhh como eu tenho saudades de ir a horta e comer laranjas sentadas debaixo da palmeira ao pé do tanque de água.
Tenho saudades de me segurares na mão para chuchares no dedo e de levares o meu soutien ou qualquer outra peça da minha roupa a escola mesmo quando ela te estava grande.
Das tardes de verão de Agosto na praia tu e eu e a prancha de bodyboard que o teu padrinho te ofereceu nos teus 11 anos.
Saudade de te ver cantar em qualquer lado como se estivesses em um palco e dos teus penteados exclusivos para as fotos na Kodak 35mm.
Tenho muitas saudades das nossas viagens a duas pelo litoral português ou pela costa vicentina o ir ao Alentejo ver a avó Mariana e a tia Rosa de quem tanto gostas.
Lembro de te ver voltar da casa da Maria Albertina cheia de pelos de cão, cheirosa só a cão, sem boné e sem cuecas e lembro de receber como resposta tinha chichi e tirei-as! Lembro-me do dia que aprendeste a andar de bicicleta sem rodas traseiras! Ganda primo Bruno que sempre te ajudou nessa tarefa. Morria de medo de te ver com 2 anos nos buracos que ele fazia na sua pista e ele a saltar por cima enquanto a bijusta gritava “sai daí sefaniiiii”
Sei que não tens saudades de te levar a escola no inverno a chover quando punha o aquecimento do carro ao máximo e tu morrias por não puder respirar.
Também não tens saudades daqueles dias de verão em que eu tinha 2 ou 3 trabalhos e tinhas que ficar em casa até à meia noite sozinha.
Sei que borraste da tua memória os momentos em que tiveste tanto medo de estar sozinha em casa aos 8 anos que até o escreveste numa das portas do quarto.
E que esqueceste o dia que íamos de mota à escola e torceste e queimaste o teu pé porque eras tão pequenina que ficou entalado no pneu da Mota.
Também já não deves lembrar no dia em que com 5 anos querias levar chiclets do Supermercado e eu disse que NÃO, então meteste-os no bolso quando eu não estava a ver, mas como eras tão inocente quando chegaste ao carro tiraste do bolso e quando eu vi fiz-te voltar a Sra. da caixa devolver e pedir desculpas. Ficaste com tanta vergonha que não paravas de chorar.
Mas sei que deves lembrar quando fomos a Madrid, vimos a neve pela primeira vez, dormimos no carro de noite em pleno inverno numa povoação chamada pau em França e tomamos banho numa casa de banho de um centro comercial!
E também sei que deves ter saudades da Lili que encontramos perdida e morta de fome num estacionamento, do dicky, do pipo, do coelhinho da Índia e da liberdade das ferrarias!
Tenho saudades daquela miúda que chamava fivirico ao frigorífico, Sogolina à gasolina,
Que nunca comeu cogumelos porque não gosta mas nunca os provou.
Que grita por tudo e que nunca se cala.
Que é teimosa e o sabe e quando tem que engolir porque se enganou chora de raiva pela impotência de saber que não tem razão.
Que é advogada defensora de qualquer que este sendo injustiçado mesmo se não é seu problema.
Sei que contudo o bom e o mau que a vida nos deu temos os melhores momentos juntas, não mudava nada. Ou sim!
O facto de teres perdido a tua avó com apenas 2 anos e pela qual eras perdidamente apaixonada...
Saudades minha filha...